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QUILOMBO!

Posted by Evanilson Alves dos Santos quinta-feira, 6 de janeiro de 2011 0 comentários

Em 1888, o casal de ex-escravos Joaquim do Congo e Ricarda recebeu de seu antigo dono Joaquim Manoel de Oliveira a doação de um lote de terra. Posteriormente, o casal trocou as terras pela área onde vivem hoje. Tiveram duas filhas - Antônia e Ifigênia, e que deram origem aos Almeida Caetano e os Pires Cardoso. Antônia casou-se com Joaquim Pires Cardoso, e Ifigênia com Caetano Manoel de Oliveira: ambos moravam numa comunidade vizinha denominada Caxambu, que hoje não existe mais. Entre as duas comunidades a relação foi bastante intensa, havendo muitos casamentos entre seus membros. A partir da década de 40, as invasões começaram, Cafundó e Caxambu tornam-se alvos da cobiça de fazendeiros vizinhos. Desde então nunca houve paz. Hoje, a comunidade quilombola no interior paulista preserva a língua ancestral e tem futuro incerto.

Era madrugada e, sem saber o quanto faltava, resolvemos dormir, ali mesmo, à beira da estrada, nos bancos "macios e confortáveis" do fusca 73 do Toninho Victório, meu grande amigo de trabalho. Depois de um longo cochilo, galos e crepúsculo anunciam um novo dia. Acordamos e ali mesmo em nossa frente um povoado coberto por neblina, misturando-se à mata em um espetacular dégradé de tons e linhas, estendia-se ao longo do horizonte. Será que é? Perguntamo-nos. Um morador que passava confirmou a suspeita. Sim, chegamos ao Cafundó, há 150 km da capital paulista, na região de Sorocaba.
O vocábulo cafundó no dicionário de língua portuguesa quer dizer: lugar de difícil acesso, retirado. Dizem até que é o lugar "onde Judas perdeu as botas". Se as botas estão lá, eu não sei, mas muitos "Judas" passaram e ainda passam pelo quilombo. O comportamento arredio durante a recepção revela uma dolorosa história de luta e traições. Marcos Norberto de Almeida, líder na comunidade, nos recebe e, com olhar desconfiado, logo diz: "Antigamente, quando vovó era viva, os fazendeiros da região pediam emprestado um pedaço de terra, botavam umas vaquinhas e logo cercavam com arame, afirmando que a terra era deles. Hoje, são as ONGs e órgãos do Governo. Eles chegam, prometem ajuda, se apoiam em nossa cultura pra elaborar projetos, me fazem assinar a papelada toda, e depois desaparecem", conta Marcos.

A Cupópia
Dezoito famílias descendentes de escravos vivem no único quilombo brasileiro que ainda preserva um dialeto africano, a Cupópia. A língua ancestral, de origem banto, foi reconhecida pelo pastor Africano Neves Mussaqui em visita ao quilombo. O pastor reconheceu a comunidade de Cafundó como descendentes de Kikongo, a mesma tribo de onde veio, ao norte de Angola. Hoje, a cupópia é falada por poucos e é usada para dizer ou se defender, em segredo, quando os descendentes de escravos estão perto de quem desconhece a língua. Segundo os pesquisadores Peter Fry e Carlos Vogt, a língua acontece através de certo "aportuguesamento", principalmente na estrutura das frases. O vocabulário é constituído de aproximadamente 140 palavras e gera recursos como a metáfora e a metonímia, usadas para expressar o que não há no vocabulário original. Por exemplo:
Tenhora da mucanda - "enxada da escrita" - caneta.
Cupópia de ramunhau - "fala do gato" - miado.
Cambererá do Vava - "carne da água "- peixe. Nanga do viso - "roupa dos olhos" - óculos.
Tata que cupopeia a cupópia de Jambi - "homem que fala a língua de Deus" - Padre.



 O artesanato é feito geralmente pelas mulheres da comunidade. Além de cestas de bambu e cipó, fazem também bonecas de palha de milho, colares com contas de lágrimas, petecas da palha de milho e pena de galinha e instrumentos de percussão feitos com couro, bambu, cabaça ou troncos.

A musicalidade africana permanece viva no Cafundó. Agora, preparam o lançamento de um CD com letras em Cupópia.

Sangue e tradições

Fotografias das pessoas que já morreram são colocadas junto aos santos católicos e imagens do candomblé na pequena capela, no meio do povoado. Além de mostrar o sincretismo religioso, o local é o centro da festa tradicional de Santa Cruz, realizada no dia 29 de maio. O evento mostra manifestações tradicionais da comunidade, como a procissão de Santa Cruz, folia de Reis, fanfarra de São João Batista, dança do jongo, capoeira, o artesanato e a feijoada. Grupos de samba e forró são trazidos da região para agitar o povoado madrugada afora, regados à caipirinha e muita cerveja gelada. A festa acontece faz mais de 100 anos e o objetivo é manter viva a própria cultura.
No dia seguinte a melhor opção pra curar a ressaca é um mergulho num pequeno lago que existe na margem do povoado (o que restou de seus mananciais), fonte de lazer para as crianças e da pesca - que se tornará a mistura na mesa dos moradores. Os quilombolas também plantam mandioca, feijão, cana-de-açúcar e milho, e criam porcos e galinhas para ajudar no sustento. A renda é muito baixa. Eles são obrigados a trabalhar em empresas e fazendas da região, geralmente como jardineiros, cortadores de eucalipto, caseiro etc. Apesar de herdeiros de aproximadamente 220 hectares de terra, hoje ocupam uma área menor que 8 alqueires. As invasões de fazendeiros impediram a produção agrícola.
Estávamos na "saborosa" cozinha de Marcos com fogão à lenha e paredes de pau a pique, quando um menino apareceu e, a pedido do pai, nos trouxe um galo de presente para o almoço. O sangue do bicho que ainda escorria alterou radicalmente o comportamento de Marcos, que advertiu em cupópia e em tom agressivo. Juvenil, seu irmão, logo pega o galo e o coloca em um balde. Passado o momento de tensão, questionei sobre o que haviam conversado. "Nessa terra tem muito sangue de nossa família, não devemos misturar" e ainda lamenta-se: "Já morreram meus antepassados e tenho medo de morrer também e não ver isso resolvido."



Promessas e reconhecimento
A guerra pelo direito às terras que gerou mortes de ambos os lados e arrasta-se há quase 40 anos, parece estar acabando. Em 1999, o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP) fez o reconhecimento das terras. Em 2004, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) abriu processo de regularização das mesmas. Em 14 de junho de 2006, o então presidente do INCRA, Rolf Hackbart reconheceu o território de Cafundó com 218 hectares por meio da Portaria 235. Atualmente, estão em processo de desapropriação e titulação das áreas ocupadas pelos fazendeiros. Em 2009, o deputado estadual Simão Pedro (PT) criou o projeto de lei número 891/2009. A emenda prevê a construção de barracões comunitários em comunidades quilombolas no valor de R$100.000,00. O recurso não chegou a Cafundó e nenhuma informação concreta é dada quando são questionados.
O posto de saúde, uma promessa não cumprida pelo ITESP, está fazendo muita falta aos moradores. Adauto, irmão mais velho da família Almeida, diverte-se: "Um dia desses, amanheci com uma baita dor de dente, doía demais, então andei uns 15 km até chegar em Salto, logo no primeiro boteco falei pro Zé: Me dá um litro dessa Cavalinho e um copo, eu preciso educar um dente aqui. Tomei "uma" e parece que a dor foi acalmando. Tomei mais uma, e não é que melhorou? Sei que depois de 'uma par' delas, fui no banheiro e só saí de lá carregado, num vi mais nada", conta Adauto.
É final de tarde, Juvenil racha o bambu em 8 partes iguais, Marcos afina cada uma delas com uma faca, e Regina, insistente, faz o trançado da cesta enquanto fala: "Não saio daqui enquanto não terminar essa peça." Regina Aparecida Pereira é esposa e braço direito de Marcos. Além de excelente artesã, em 2000 criou o Kimbundo - Associação remanescente do quilombo com o objetivo de desenvolver e administrar seus próprios projetos, firmar a luta pela titulação das terras e oficializar o reconhecimento da comunidade.


FONTE: Revista RAÇA BRASIL.

ATENCIOSAMENTE: Evanilson Alves

                                        POETA DO GUETO

PAZ A TODOS! E UMA OTIMA LEITURA.

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